Os Desafios das Mulheres com Deficiência em Moçambique
Moçambique, um país onde o preconceito ainda molda realidades, mulheres com deficiência enfrentam uma luta silenciosa contra barreiras físicas, psicológicas, sociais e culturais.
Ancha Ndala, de 30 anos de idade é casada, mãe de três meninas e vive com deficiência psicossocial, uma condição muitas vezes invisível aos olhos dos outros, mas profundamente presente na sua vida. A ausência de sinais físicos da deficiência leva muitos a questionarem sua legitimidade. “As pessoas olham para mim e dizem: Mas não parece que tens deficiência’’, e é aí onde tudo começa. O não reconhecimento é o primeiro passo para a marginalização. Ancha acrescenta que mulheres com deficiência psicossocial enfrentam vários tipos de discriminação: ‘‘por serem mulheres, por terem uma deficiência e por esta deficiência ser considerada de foro mental”.
De acordo com os dados do ultimo Censo Nacional de 2017, Moçambique possui aproximadamente 727.620 pessoas com deficiência, o que representa cerca de 2,6% da população total. Dessas, 355.559 são mulheres. Entretanto, estes dados são amplamente criticados, em parte, por estarem distante das projecções feitas pela OMS segundo as quais 16% da população, sobretudo de países em desenvolvimento, tem alguma forma de deficiência. Este facto coloca em causa os métodos usados para a recolha de dados nos censos populacionais no país.
Timóteo Bene, Oficial de Políticas e Pesquisa do Fórum das Associações Moçambicanas de Pessoas com Deficiência – FAMOD, entende que de um modo geral, as mulheres com deficiência sofrem múltiplas discriminações. “As mulheres com deficiência têm limitada educação formal e falta de literacia digital, situação que contribui para a sua exclusão em vários fóruns. Questões associadas as atitudes, a acessibilidade dos espaços físicos e de comunicação também constituem barreiras para as mulheres com deficiência.”
Para o Oficial de Políticas e Pesquisas do FAMOD, ‘‘em termos estruturais, faltam políticas que promovam a inclusão, representação e participação de mulheres com deficiência não apenas em fóruns de tomada de decisão, mas no acesso as oportunidades necessárias para o seu desenvolvimento.” - completou.
Além disso, os serviços de saúde, especialmente os de saúde sexual e reprodutiva, carecem de sensibilidade e preparo. “Ainda não temos psicólogos suficientes, nem hospitais preparados para nos atender com dignidade. E quando se fala de saúde mental, a resposta padrão é medicação sem diagnóstico aprofundado, sem empatia, e sem escuta”, explica Acha Ndala.
Eufémia Amela, Presidente do Conselho de Direção da Associação Moçambicana das Mulheres com Deficiência (AMMD), refere que a verdadeira limitação não está apenas na falta de acessibilidade, mas nas barreiras invisíveis impostas pelo preconceito, e negação dos seus direitos “por serem mulheres, são consideradas frágeis e limitadas ao espaço doméstico. E, por serem pessoas com deficiência, são frequentemente vistas como incapazes de exercer maternidade, sexualidade ou qualquer papel produtivo na sociedade.”
A fala da presidente ressoa como um eco de centenas de relatos que chegam à AMMD. Segundo a fonte, elas são muitas vezes questionadas: "Como pode uma mulher com deficiência ser mãe? Quem vai cuidar da criança?" e em muitas regiões “Elas não têm acesso a transporte adequado, enfrentam barreiras arquitetónicas em edifícios públicos, e os serviços de saúde não estão preparados para recebê-las com dignidade” – acrescenta.
Apesar das várias barreiras e diante desse cenário tão desafiador, Ancha Ndala, actual vice-presidente do FAMOD, procura ao lado de outras mulheres com deficiência e organizações, liderar campanhas de sensibilização em comunidades, escolas e instituições públicas.
Por outro lado, a AMMD em parceria com outras organizações femininas e de direitos humanos, promove acções de capacitação jurídica, oficinas de empoderamento social e acesso a microfinanciamento para projectos de geração de renda.
“Queremos que elas conheçam os seus direitos e saibam onde e como reclamar. Muitas vezes, só isso já transforma uma vida,” realçou a presidente. A associação também acompanha casos de violência, orientando e encaminhando as vítimas às instituições competentes.
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